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Curitiba virando o bichoo

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Amar se aprende? Como isso acontece


Sim. Quando uma pessoa desconfia dessa afirmação, é porque ela - caso ame - não está consciente de como aprendeu a amar. Aprender a amar torna o amor essencialmente humano. As coisas aprendidas (em particular aquelas que foram muito bem aprendidas) se tornam tão intrínsecas ao ser, que a própria pessoa não concebe que um dia o seu repertório de amar não tivesse sido parte de sua natureza.
O amor é uma mistura de sentimentos. Talvez por isso seja tão difícil defini-lo e apreciar sua gênese em nós mesmos. O amor é uma mistura complexa que não se repete de uma pessoa para a outra. Também por isso, é uma experiência afetiva idiossincrática e única para cada ser humano. No entanto, podemos - somente para tornar o conceito de amor mais compreensível - decompô-lo em três componentes. No primeiro nível, existe o amor erótico, que é peculiar a todos os membros da mesma espécie. Neste nível, com predominância de determinação genética, os seres se assemelham. Num segundo nível, o amor ganha contornos ontogenéticos, ou seja, é constituído a partir da história de desenvolvimento de cada pessoa em particular. Esse nível interage com o primeiro e resulta em padrões absolutamente individuais que não se repetem. É o que faz as pessoas amarem seres diferentes uns dos outros, o que as faz reagirem a peculiaridades do outro de maneira única e com tamanha amplitude, que inclui todos os matizes que compõem quaisquer pontos, de um extremo a outro de um contínuo de variabilidade que constitui cada indivíduo humano. Quaisquer peculiaridades de um ser humano podem despertar o afeto de um alguém. Tal diferenciação e variabilidade são tão maravilhosas que tornam possível todos amarem alguém e a qualquer um ser amado por alguém. Não há possibilidade de exclusão absoluta, exceto em exceções neuróticas. No amor não há preconceito. O preconceito é expresso pela pessoa em relação a quem ela não ama, ou por aquele que é incapaz de amar. O amor afaga arestas; não se deixa ferir por elas. Há, por fim, um terceiro nível de amor - infelizmente, só alcançado por poucos - em que mais importa o bem estar do outro do que o próprio bem. É uma relação na qual eu me sinto bem, não pelo que eu diretamente alcanço, mas pelo bem que aquele que me cerca alcança. E, se possível, devo contribuir ativamente para a realização do outro. Apenas grupos sociais (família, escolas, igrejas etc.) preocupados com o desenvolvimento harmonioso e cooperativo do grupo - em oposição a preocupações individualistas e competitivas -, dispõem condições e proporcionam estratégias e conseqüências para desenvolver em seus membros sensibilidade pelo outro. O amor pleno é composto pela interação equilibrada dos três níveis expostos.
O processo de vir a amar implica numa longa construção de repertórios de comportamentos de fazer por, fazer para e fazer com o outro; envolve amplo repertório de receber; aspira à capacidade de tolerar frustrações; inclui repertórios de saber apreciar o bem estar, o lazer, a convivência saudável; exige o conhecimento do próprio corpo e o exercício espontâneo do sensorial em todos os órgãos do seu corpo e o respeito pelo exercício sensorial do outro; supõe saber rir e saber chorar; pede tolerância e paciência; etc. etc.
Não é de estranhar que amar se aprende e não é uma tarefa fácil. É ingênuo supor que saber amar é intrínseco ao ser humano, e pensar assim reduz as relações de amor ao seu nível mais primitivo. A capacidade para amar e para desenvolver relações de amor, essa sim é intrínseca ao humano. Mas ter potencial não é a mesma que desenvolver e atualizar tal potencial. Reconhecer que o repertório de amar - que inclui atos e sentimentos unidos de forma inseparável - é aprendido não empalidece seu valor e profundidade. Tal reconhecimento o eleva ao status de uma extraordinária aquisição humana. Persegui-la até alcançá-la plenamente torna o amor mais humano e alça aqueles que sabem amar ao patamar mais alto de desenvolvimento pessoal. Se puder escolher, se deixe amar por quem aprendeu a amar. Ao mesmo tempo, cuide do desenvolvimento de sua capacidade de amar... para sua realização e a de quem você ama.

 Hélio José Guilhard

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